O empresariado brasileiro vem enfrentando dificuldades em 2024, com um aumento de 80% nos pedidos de recuperação judicial até agora, segundo o Serasa Experian. E o setor de franquias não está de fora da alta de endividamentos.
Na última sexta-feira (28), a Casa do Pão de Queijo, uma das maiores redes de franquia do país, protocolou pedido de RJ.
A ação cita dívida de R$ 57 milhões e inclui a fábrica, CPQ Brasil S/A, além de 28 filiais localizadas em aeroportos. No entanto, as franquias não foram incluídas no processo.
De acordo com o pedido de recuperação judicial, as operações da empresa ainda sofrem os impactos gerados pela pandemia.
Além disso, a Casa do Pão de Queijo afirma que o endividamento também foi aprofundado pela crise climática no Rio Grande do Sul, que gerou a inundação do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, onde estão localizadas quatro lojas da rede.
Da dívida total de R$ 57 milhões, R$ 244,3 mil seriam valores devidos para trabalhadores, R$ 55,8 milhões para credores quirografários — que fazem parte da classe sem garantias — e R$ 1,3 milhão para micro e pequenas empresas.
A Casa do Pão de Queijo não é a única que vem lidando com um mar turbulento. Nos últimos meses, grandes gestoras de franquias, como a South Rock, e redes de franchising, como o supermercado O Dia, entraram com requerimentos para o processo jurídico.
Com a alta dos números de recuperação judicial e nomes importantes do mercado em RJ, franqueados e franqueadores são expostos às consequências do processo jurídico.
Em entrevista ao Seu Dinheiro, Sidnei Amendoeira, diretor jurídico da Associação Brasileira de Franchising (ABF), e Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), explicam os impactos da alta de RJ para o setor de franchising.
Para Eduardo Terra, o aumento de pedidos de recuperação judicial está relacionado a um cenário macroeconômico difícil.
Segundo o especialista, o país vive um “longo período com taxa de juros alta, combinada com o acesso bem difícil à capital”. Em conjunto, os fatores dificultam o financiamento das dívidas dos empreendedores, afirma Terra.
Vale lembrar que a taxa básica de juros no país vinha de uma sequência de seis cortes de 0,50 pontos percentuais desde o final de 2023.
No entanto, na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), a instituição optou por manter a Selic em 10,50% ao ano e interromper o ciclo de cortes.
Terra também avalia que a crise sanitária causada pelo coronavírus trouxe instabilidade em relação à demanda no país, o que impactou no aumento das dívidas.
“Desde a pandemia, a gente vive altos e baixos em relação à demanda. Muitas empresas acharam que aquele aumento da pandemia seria para sempre. E aí veio uma descida muito grande”, afirmou.
Amendoeira, diretor jurídico da ABF, também enxerga os impactos do Covid-19 para o aumento de pedidos de recuperação judicial.
“A gente está sentindo muitos reflexos da pandemia agora, porque as pessoas, durante a pandemia, foram suspendendo contratos de trabalho, houve uma série de parcelamento de tributos, uma série de empréstimos…E essa conta tá vindo agora”, afirmou Amendoeira.
A conta vem chegando até mesmo para grandes empresas. Em 2024, nomes de peso do mercado entraram com pedidos de recuperação judicial, como Oi, Light, Polishop, Gol, entre outras.
Nem mesmo o mercado de franchising foi poupado: a gestora de franquias SouthRock, que administrava as marcas Subway e Starbucks no Brasil, entrou com pedido de recuperação judicial em outubro de 2023.
Em março de 2024, foi a vez da rede de franquias do supermercado O Dia entrar com o processo jurídico.
Atualmente, as operações da Subway no Brasil voltaram a ser administradas pela marca.
Apesar dos impactos causados pelo cenário macroeconômico no número de pedidos de recuperação judicial, Terra avalia que as dificuldades enfrentadas pelas duas redes vão além de um momento econômico difícil. “Tem mais a ver com gestão do que com o contexto externo”, afirmou.
No entanto, os pedidos de recuperação por grandes marcas do setor de franchising geram impactos aos franqueados, que ficam expostos às repercussões do processo judicial.
Amendoeira, da ABF, ressalta que, nesses casos, não há impactos jurídicos diretos aos franqueados da rede. “A situação dele não muda. Vai mudar com quem ele vai falar dali para a frente”, afirma Amendoeira.
Isso porque, segundo o especialista, em casos de grandes marcas estrangeiras que atuam no mercado brasileiro de franquias, as redes são controladas por masters, que são substituídas em caso de falência ou rompimento de contrato.
De acordo com Amendoeira, as masters atuam como franqueadas no cenário internacional. Assim, o dono da franquia no exterior é quem autoriza a master a subfranquear a marca para outros franqueados dentro do Brasil.
Dessa forma, de acordo com o diretor jurídico da ABF, em casos de pedidos de recuperação judicial ou até falência, a dona da marca pode extinguir o contrato de franquia e assumir a rede no Brasil ou indicar um novo master.
No entanto, ele também ressalta que há necessidade de avaliação do contrato e que, caso não estipule rompimento, a relação entre os franqueados no Brasil continuará normalmente.
Apesar de não enfrentarem impactos judiciais, os franqueados lidam com outras repercussões. De acordo com Amendoeira, os empreendedores da rede enfrentam riscos voltados à reputação da marca.
“Eu acho que existe um estigma na palavra. As pessoas acham que, se [a empresa] está em recuperação judicial, é porque quebrou. Não é verdade. Enquanto estiver em recuperação judicial, está justamente tentando preservar um negócio”, afirma.
Além disso, ele explica que as franquias estarão sujeitas à análise do administrador judicial do processo e da aprovação do plano de RJ. “Mas, a partir do momento que o plano foi aceito, a empresa continua tendo a administração dos ativos.”
Segundo um levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 80% das micro e pequenas empresas fecham as portas nos primeiros cinco anos de operação. No entanto, para os empreendimentos de franquias, o percentual cai para 15%.
Sidnei Amendoeira explica que o número é menor em negócios de franquia devido ao suporte da franqueadora.
“De modo geral, o franqueado padrão é um micro ou pequeno empresário. E, diferente de um micro [empreendedor], que abre um negócio do zero, o franqueado está numa rede. Então tem suporte da franqueadora, tem toda uma rede de franqueados.”
O especialista ressalta que “a franquia não impede que um negócio acabe, mas diminui o risco”.
Além disso, ele afirma que, em momentos de crise – como o experimentado na pandemia –, o setor de franchising tem políticas de proteção ao franqueado. Assim, apesar de ser afetado, ele sente as repercussões da crise mais tarde do que o franqueador. “A franqueadora tenta, enquanto puder, auxiliar os seus franqueados”, diz.
“Então, o franqueado vai sofrer, mas a maioria das franqueadoras têm políticas para dar suporte, especialmente em momentos de crise. E a pandemia mostrou isso”, afirma Amendoeira.
Apesar do setor de franquias ser resiliente, as recuperações judiciais no setor causam impactos para os empreendedores de todo sistema de franchising.
Para entender as consequências de pedidos de RJ por franqueados ou franqueadoras, Amendoeira ressalta que é necessário avaliar os termos do contrato firmado inicialmente.
“Alguns contratos preveem a possibilidade de rescisão no caso de uma recuperação judicial, outros só preveem essa hipótese numa eventual falência”, revela.
Para os casos de pedidos de recuperação judicial do franqueado, o diretor jurídico da ABF afirma que, em geral, os contratos são extintos.
“A franqueadora não é obrigada a rescindir [o contrato], mas ela pode. Se ela rescindir, vai pôr fim à relação de franquia. Na medida em que o contrato de franquia foi extinto, a franqueada não terá como cumprir o plano. Fatalmente, ela vai quebrar”, explica Amendoeira.
Contudo, caso a relação de franquia seja mantida, os franqueadores precisam ficar atentos às necessidades e ao plano de RJ da franqueada.
“[O processo de recuperação judicial] pode envolver crédito da franqueadora, créditos de fornecedores do sistema. Então, se o franqueado que pediu a recuperação está devendo aluguel, taxas para o franqueador, produtos para os fornecedores… Todas as dívidas podem fazer parte do plano”, explica.
De acordo com o diretor jurídico da ABF, o processo de recuperação de franquias ainda exige uma avaliação diferenciada pelos juízes da ação.
“O maior ativo da franqueadora são os contratos de franquias. Diferente de uma empresa, uma indústria, em que os maiores ativos são os bens. No caso do franchising, o juiz vai ter que olhar com muito mais cuidado a relação franqueador-franqueado”, explica.
Fonte: Seu Dinheiro